terça-feira, 28 de abril de 2009

O Abajur

- Sério? Não acredito que você não consegue entender o sentido de sua vida. Como pode? Todos nós aqui entendemos - replicou o criado-mudo ao abajur.

- Pois, é criado-mudo, eu não consigo entender meu propósito. Você serve, ou serviu, para guardar coisas, servir de apoio e me sustentou minha vida toda. A cama, veja só, serviu acomodar as pessoas, que fizeram um bom uso dela em seus repousos e amores. O piso, sustenta aqui tudo desde sempre. Olhe o guarda-roupa. Cheio de divisórias que acomodaram muitas coisas, que saiam e eram colocadas novamente, e ele abrindo e fechando, acomodando e arquivando. A lâmpada do teto é também muito útil. Enfim, todas as coisas desse quarto. Agora olhe para mim. Não faço nada. Não sirvo para nada. Ninguém vem aqui faz tempo. Desde que fui feito estou dentro desse plástico e não entendo direito. Só sei meu nome porque consigo ler na etiqueta pregada em mim, amarelada pelo tempo que fiquei aqui parado. E ainda não sei se me chamo abajur ou se me chamo “Para Bárbara”. É de uma revolta muito grande. Não consigo entender nada.

- Mas sempre existe uma maneira que possa te explicar o sentido disso tudo, abajur. Eu, sendo criado-mudo, até que consigo me satisfazer com as coisas, sabe? Eu, embora não seja usado faz tempo, ainda me lembro de minha utilidade. Nesse quarto, desde que o Sr. Antônio não dorme mais aqui, ninguém entrou mesmo. Você ficou aí e nunca viveu nada com o Sr. Antônio. Ele quem nos trouxe aqui e era ele o sentido do nosso uso. Como ele não está mais, talvez seja isso que tenha deixado você sem saber sua utilidade. Mas tenho certeza que você tem sim um uso, pena que ninguém aqui descobriu ainda.

- Tá, sei disso tudo. Mas tem dia que bate um desespero. Mas deixa pra lá. Deixa eu quieto aqui.

O tempo passava devagar naquela casa. Ninguém mais foi àquele quarto. Era estranho porque ainda existiam pessoas as quais Sr. Antônio mantinha um certo contato, mesmo que usando o aparelho de telefone. Foi então que após seis meses de escuridão, aquele quarto foi destrancado. Ali, uma mulher com um rapaz analisaram o local. Acenderam a luz principal e tudo estava quieto e empoeirado. Comentaram algumas coisas entre si, as quais nada no quarto entendeu direito, mas pelo que parecia as coisas iriam mudar, e mudar fisicamente. Logo, a cama foi retirada com seu parceiro colchão. Um pouco mais tarde, o guarda-roupas. E, impressionantemente, o abajur ainda estava mais entediado a curioso. Num mundo de aflitos, ele estava ali parado e não ligando. A vida não tinha a menor graça. Que sentido tinha aquela merda toda? Já tinha ouvido inúmeras histórias, disso e daquilo, que legal que era isso ou aquilo. Que experiência esse teve ou aquele. Mas ele mesmo não teve nada. Foi fabricado, se lembra que existiu muito brevemente num local grande e foi trazido aqui pelo seu Antônio, que chegou, o colocou no criado-mudo, seu melhor amigo, e deitou na cama, para nunca mais acordar. A neta de seu Antônio olhou fixamente para ele, o abajur, e com uma cara intrigada, retirou seu plástico. Após ler a etiqueta, seus olhos encheram de lágrimas. O abajur começou a imaginar que diabos estava acontecendo, pois agora estavam destruindo ele, removendo seu fiel companheiro plástico de embalagem. Foi quando ela pegou o plugue e ligou-o na tomada. Apertou o interruptor do abajur e tudo fez sentido para ele, que iluminava seu redor e sentia a energia percorrendo seu corpo.

- Vamos, Bárbara. Temos que falar com o rapaz da imobiliária ainda. Leve o abajur para você – Falou o rapaz para a moça, agora longe dali em seus pensamentos.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Coloque o arquivo de guerra no gato Tom.

“O Sr. Já trabalhou com AJAX? – Perguntou o entrevistador a seu candidato.
Sim, claro que já. Trabalhei há dez anos com AJAX. – Respondeu o candidato à vaga de Analista de Sistemas Java.
Surpreso, o entrevistador questionou-o:
- Como assim ‘há dez anos’? AJAX só existe de fato há três anos.
- Ah, não é verdade. Eu trabalhava com AJAX junto com meu pai. A gente vendia muitos litros. Ele tinha uma Kombi, sabe...
- Calma, calma. – interrompe o entrevistador já irritado – Eu estava falando de outra coisa. Olha esquece, tá? E sobre Swing?
- Ah, isso eu não faço não. Sou casado.” [1]

O mercado da informática tem suas peculiaridades, assim como toda profissão, e essas peculiaridades são um tanto quanto estranhas para quem fala o idioma tupiniquim. Algumas coisas no mundo da programação de computadores simplesmente não podem ser traduzidas, pois perderiam todo o sentido. O exemplo acima diz respeito a uma tecnologia chamada AJAX, que tem o mesmo nome de uma marca famosa de produtos de limpeza para uso geral, de propriedade da Colgate. Swing é o nome de outra tecnologia, com mesmo nome alusivo à mais completa putaria conhecida. Por isso alguns livros pecam muito em tentar traduzir termos e nomes que não podem ser traduzidos. Na linguagem de programação Java (que quase se chamou Carvalho... Eu disse CARVALHO), existe uma função principal chamada “main” (main é principal, em inglês). A composição dessa função (que em Java chama-se método) tem um nome grande, e se fossemos traduzir teríamos a pérola:

Vácuo público da estática principal ( args[] da Corda ); [2]

Veja que beleza. Não dá para traduzir. Cada palavra tem um sentido específico em inglês, válido somente para o contexto em questão.

Quando você faz um desenvolvimento em Java, são gerados pacotes, que possuem extensões de arquivo, do tipo jar, ear e war. Um dos servidores que rodam esses arquivos é chamado de Tomcat (O Gato Tom). Vai lá você traduzir: Coloca pra mim a guerra, a orelha e o jarro no gato tom, por favor? Alguém que estivesse passando acharia no mínimo que errou o caminho e foi parar no hospício. Só faz sentido em inglês.

Outra coisa interessante são os nomes das tecnologias e produtos. Temos Ajax e Gato Tom, como vimos acima, Java Servidor Caras, Caras Ricas, Java Grão de Café, Hibernar, Primavera, Chapéu Vermelho, Lixeiro, Sabão, Eclipse, Peixe de Vidro, e por aí vai. Tanta criatividade atrapalha muito os tradutores não familiarizados.

Esses dias estava assistindo o filme “Across de Universe” e estavam traduzindo na legenda as músicas dos Beatles. Cada pérola que saia que eu me matava de rir. Uma das mais engraçadas foi no refrão da música “I am the Walrus”, onde John canta “I am the eggman, they are the eggmen, I am the walrus,Goo goo ga joob”. Lennon certa vez recebeu uma carta de um estudante dizendo que seu professor de língua inglêsa estava analisando as músicas dos Beatles. John então num tom provocativo escreveu I am the Walrus, uma música cheia de referências, simbologias e aberta a várias interpretações, e Eggman é Intelectual e não “cabeça de ovo” como foi traduzido na legenda. A tradução/interpretação do refrão deveria ser “Eu sou o intelectual, eles são os intelectuais. Eu sou a morsa, bom bom bom trabalho”. Nada a ver com o que foi colocado lá na legenda, por uma pessoa ou grupo que não entendia nada de Beatles.

Bom tradutor é aquele que entende o espírito da coisa e coloca a tradução interpretada corretamente ou deixa o termo em inglês. Um bom exemplo é o livro “Direitos Iguais, Rituais Iguais” de Terry Pratchett que saiu aqui pela editora Conrad. Os tradutores espertamente colocaram os dois sentidos de “Equal Rites”, título em inglês. Rites significa rituais ou ritos e tem a mesma pronúncia de “rights”, direitos. Faz todo sentido, pois é uma história de uma menina que quer ser mago, profissão permitida somente para homens, no livro. Então ela quer ter direito (rights) de ser mago e praticar seus ritos (rites). Parabéns à Conrad.


[1] AJAX significa Asynchronous JavaScript and XML.
[2] Obviamente todo programador Java conhece o método public static void main( String[] args)